22 de julho de 2009

Resenha: Narradores de Javé, um filme sobre memória, História e exclusão



Conta a história de Javé, um povoado que está prestes a desaparecer sob as águas da represa de uma grande hidrelétrica. Na tentativa de salvá-lo, seus moradores decidem elaborar um documento com os feitos heroicos de seus antepassados para convencer as autoridades do valor histórico do lugar. O primeiro passo é encontrar alguém que possa escrever a história, pois quase todos são analfabetos. A pessoa escolhida para realizar essa tarefa é Antônio Biá, por ser efetivamente letrado e pela fama de sua criatividade e inventividade no povoado. O artifício de "florear" e inventar fatos locais já era usado pela personagem para aumentar a circulação de cartas, obviamente escassas no povoado, e manter em funcionamento a agência de correio onde ele trabalhava. Apesar das desavenças com os moradores, fica a cargo dele ouvir as memórias do povo e entregar o livro da salvação antes do prazo final. Mas as pessoas não conseguem chegar a um consenso sobre quais versões correspondem à realidade do lugar, iniciando um duelo poético entre os contadores com suas histórias muitas vezes fantásticas e lendárias. Nas várias versões os heróis são alterados conforme o narrador. Em algumas versões o grande herói entre os fundadores de Javé é Indalécio. Na versão relatada por uma mulher do povoado, a grande heroína é Maria Dina. Na comunidade negra, o herói principal também é negro e chama-se Indalêo. Mas um discurso destoante de todos os outros consiste na perspectiva do gêmeos, no qual, o tema de fundação do povoado é sucumbido pela história de seus pais e a origem duvidosa de seu outro irmão, o filho da dúvida. Isso revela as contradições e os desvios que os dizeres vão constituindo ao longo de seu percurso, cada qual constrói sua história. Entretanto, organizar as ideias no suporte escrito é o grande entrave enfrentado pelos moradores, pois não havia como provar que os relatos eram verdadeiros.


Entre a multiplicidade de versões que ecoam em seus ouvidos, a arbitrariedade da interferência e a necessidade de produzir algo científico, Biá entrega-lhes o livro em branco. A tentativa de salvação se torna inútil e Javé desaparece destruída pelo progresso. Como lição, as pessoas entenderam que para existir oficialmente, era necessário possuir provas escritas sobre o local de onde partiram para formar uma nova cidade. Então Biá começa a escrever a partir desse fato a história daquela gente que aparentemente carregava um sino e nada mais.

A trama nos faz refletir sobre a grande diferença que existe entre a linguagem oral e a linguagem escrita, sendo a linguagem oral facilmente manipulada pelos moradores, e isso consequentemente é passado para a escrita, gerando a grande questão da obra.

Outro aspecto forte que o filme suscita e que remete à história do Brasil é o problema das terras em nosso país, onde os primeiros habitantes demarcavam, por si mesmos, a extensão de suas propriedades. Desde então ocorrem contínuas migrações como a mostrada no filme e um grande número de sem-terras.

O filme também faz referência ao progresso, mostrando que este se faz indiferente à história das pessoas e dos lugares. Trata-se de uma realidade comum no país, onde vários projetos para a criação de usinas hidrelétricas têm tornado necessária a destruição de povoados e municípios ribeirinhos, colocando em risco a preservação da memória e da identidade desses moradores.

Enfim, a obra é produto do desejo dos autores de tornar público o cotidiano do interior brasileiro. O Brasil da oralidade, da riqueza inventiva de suas histórias, da informalidade de suas relações. Um Brasil rural e tradicional, de fortes valores coletivos, que corre o risco de desaparecer sem nenhum registro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário